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Peri-intervention

Cirurgias canceladas: quanto perdem os hospitais?

As longas listas de espera para cirurgias eletivas são uma luta diária para os pacientes e uma dor de cabeça para os gestores hospitalares. Neste artigo, exploramos as principais causas e consequências desta realidade nos sistemas de saúde globais.

Matilde Ferreira

Matilde Ferreira

January 16, 2023 · 10 min de leitura

operating room
As longas listas de espera para cirurgias eletivas são uma luta diária para os pacientes e uma dor de cabeça para os gestores hospitalares. Por um lado, adiam os benefícios do tratamento, enquanto a dor e a incapacidade permanecem; por outro lado, adiar procedimentos impacta significativamente a segurança financeira de um prestador de cuidados de saúde.
Antes de ir prosseguir, destacamos alguns factos que vamos desenvolver:
  • O cancelamento de cirurgias é a principal causa de ineficiência observada no bloco operatório;1
  • O cancelamento de cirurgias custa até 450 milhões de euros, anualmente;2
  • 80% dos cancelamentos de cirurgias são evitáveis;3
Se nada mudar, estes números vão continuar a crescer, com alguns detalhes que exercem pressão acrescida: a procura por cuidados de saúde é crescente, em contraste com a escassez de profissionais da saúde cada vez mais premente.
Neste contexto, os esforços de recrutamento e retenção são essenciais - mas insuficientes - para enfrentar um desafio tão complexo. A capacidade de definir e implementar novas estratégias conducentes à produtividade dos profissionais, ao envolvimento dos doentes, e à otimização dos processos, será o elemento diferenciador entre os prestadores capazes de aumentar a capacidade de resposta, daqueles que irão manter-se - a si, aos profissionais e aos doentes - reféns de processos morosos e de tempos de espera intermináveis.

O contexto atual é marcado por atrasos sem precedentes...

Os longos tempos de espera para a cirurgia eletiva (não urgente) são uma questão antiga, cuja origem é muito anterior à pandemia, mas o COVID-19 teve um impacto drástico nos atrasos cirúrgicos, uma vez que os prestadores foram forçados priorizar os casos de emergência e de cuidados críticos. A reorganização dos recursos resultou num atraso significativo de procedimentos não urgentes, incluindo cirurgias.
De acordo com um estudo publicado no British Journal of Surgery, 28 milhões de cirurgias eletivas foram canceladas ou adiadas em 2020.4 No mesmo ano, os tempos de espera das cirurgias aumentaram, em média, dois meses.5

... e os tempos de espera estão a catapultar os hospitais para as luzes da ribalta (por más razões)

  • Em Portugal, cerca de 20% dos doentes da Lista de Inscritos para Cirúrgica excederam os "tempos máximos de resposta garantidos" (TMRG).6
  • Em Espanha, mais de 700 mil pacientes estão em filas de espera para cirurgia, o valor mais elevado desde 2003.7
  • Em Inglaterra, os peritos falam de uma lista de espera "escondida" com mais de 3,3 milhões de pessoas.8
  • No Canadá, os doentes nunca esperaram tanto por um tratamento médico, sendo neurocirurgia, cirurgia plástica e cirurgia ortopédica apontadas como as áreas mais problemáticas.9
E poderíamos continuar a enumerar... A realidade é comum, mas é crucial compreender as principais razões na origem dos tempos de espera cirúrgica e implementar estratégias inovadoras para as atenuar o mais rapidamente possível.

A origem das listas de espera em cirurgia

Os tempos de espera cirúrgica podem ser atribuídos a diversos fatores, de entre os quais, os mais frequentemente referidos são a falta de recursos humanos e/ou equipamentos, a ineficiente coordenação entre departamentos hospitalares, questões administrativas e o aumento do número absoluto de pacientes que necessitam de cuidados.
Relativamente aos recursos humanos, é sabido que o setor enfrenta uma grave escassez de profissionais devido a duas razões preponderantes - aposentações por reforma e elevadas taxas de rotatividade -, sendo que a segunda tem vindo a agravar-se com o aumento crescente de casos de burnout entre esta população, que inclui, obviamente, as equipas peri-operatórias.
No cenário atual, a evidência aponta para a falta de 199.000 cirurgiões e 87.000 anestesistas,10 e revela, simultaneamente, que mais de metade dos anestesistas tem idade igual ou superior a 55 anos.11 Feitas as contas, está iminente uma nova vaga de aposentações.
Ao mesmo tempo, a população mundial com 60 anos ou mais deve atingir 2,1 mil milhões em 2050,12 representando um fator de risco adicional para a multimorbilidade e para a gestão de doenças crónicas. A necessidade de cirurgia oncológica passará de 9,1 milhões para 13,8 milhões de procedimentos nos próximos 20 anos, e, para acompanhar o ritmo, a mão-de-obra deve aumentar 47%.10
Seguindo exclusivamente esta linha de raciocínio, parece óbvio que a disponibilidade de recursos humanos e técnicos é o principal obstáculo à diminuição das listas de espera, mas que quota parte cabe às cirurgias que estão programadas, consomem recursos, bloqueiam as agendas dos profissionais de saúde e são canceladas no próprio dia?

Cancelamentos: a face oculta dos tempos de espera para cirurgia

A substantial part of the literature on waiting times for scheduled surgery has focused, specifically, on patients that have been treated. These studies disregard cancellations – surgeries that were scheduled to happen but for some reason were cancelled.13

Vamos diretos ao assunto: as cirurgias canceladas podem custar até 450 milhões de euros por ano...

As taxas de cancelamento no própria dia da cirurgia são muitos variáveis. Os valores encontrados variam de 5% na Finlândia14 ou 6% em Espanha,15 10% - 14% no Reino Unido2 e Portugal,17 a 45% na África do Sul.18
É relativamente fácil perceber que se um bloco operatório deveria estar em utilização e não está, existem grandes perdas de eficiência e os tempos de espera não vão reduzir - antes pelo contrário. O que é muito mais difícil de compreender é por que razão este fenómeno acontece com base em razões evitáveis.

...E cerca de 80% dos cancelamentos são evitáveis.

Além da falta de recursos, as razões pelas quais uma cirurgia pode ser cancelada incluem condições médicas imprevistas, tal como uma infeção ou complicação súbita; o estado do doente não ser adequado para o procedimento; ou o incumprimentos dos requisitos pré-cirúrgicos por parte do doente.
A este respeito, um estudo epidemiológico prospetivo conduzido recentemente nos hospitais do NHS, revela que as razões clínicas são responsáveis por 33% dos cancelamentos históricos e 28% dos cancelamentos contemporâneos,2 incluindo cancelamentos devido a má preparação ou deterioração inesperada da saúde do paciente.
Na prática, este estudo indica que cerca de 30% dos cancelamentos acontecem devido a razões clínicas que poderiam beneficiar de uma estratificação de risco mais precisa e/ou de uma melhor coordenação entre diferentes equipas e/ou níveis de cuidados.
Mais uma vez, não se trata apenas de ter mais recursos, mas também de otimizar os processos e garantir que os profissionais têm todas as condições para fazer aquilo que melhor sabem.
Por último, o aumento da ansiedade, devido à falta de comunicação e informação por parte da equipa clínica, é relatado por 50% dos pacientes submetidos a cirurgia,16 resultando no seu adiamento ou cancelamento. Considerando os casos em que as instruções pré-operatórias não seguidas, a indisponibilidade do bloco operatório devido a questões administrativas, ou a não comparência de pacientes, constituem 70%17 a 80%3 dos cancelamentos. E todas elas são razões evitáveis.
Esta é, precisamente, a última mensagem-chave deste artigo: reduzir os cancelamentos intra-operatórios e, consequentemente, as listas de espera, implica desenhar e implementar estratégias que promovam o envolvimento dos doentes no seu plano de cuidados e facilitem a navegação, reduzam as dúvidas e os comportamentos errados que constituem ameaças à viabilidade da cirurgia.

Considerações finais:

  • O cancelamento de cirurgias é a principal causa de ineficiência observada no bloco operatório, aumentando os tempos de espera, mas 80% destes fenómenos é evitável.
  • O número de doentes a precisar de cirurgia seguirá uma tendência crescente pelo que, se nada for alterado nos processos pré-cirúrgicos, as listas de espera continuarão a aumentar.
  • Apesar de ser reportada a falta de 199.000 cirurgiões e 87.000 anestesistas, estes profissionais continuam a perder 20% a 30% do seu tempo em tarefas que poderiam ser automatizadas.
  • 1 em cada 5 cancelamentos deve-se à falta de comparência dos doentes que poderia ser revertida com maior envolvimento dos pacientes na jornada de cuidados e melhor de navegação.18
Para aprofundar algumas dicas conducentes ao aumento da eficiência e capacidade do bloco operatório, leia o próximo artigo. Se preferir desenvolver uma estratégia para reduzir os cancelamentos e os tempos de espera, agende uma reunião com a nossa equipa.

Referências

  1. Abate, S. M., Chekole, Y. A., Minaye, S. Y., & Basu, B. (2020). Global prevalence and reasons for case cancellation on the intended day of surgery: A systematic review and meta-analysis. International journal of surgery open, 26, 55–63. https://doi.org/10.1016/j.ijso.2020.08.006
  2. Gillies, M. A., Wijeysundera, D. N., & Harrison, E. M. (2018). Counting the cost of cancelled surgery: a system wide approach is needed. British journal of anaesthesia, 121(4), 691–694. https://doi.org/10.1016/j.bja.2018.08.002
  3. Koh, W. X., Phelan, R., Hopman, W. M., & Engen, D. (2021). Cancellation of elective surgery: rates, reasons and effect on patient satisfaction. Canadian journal of surgery. Journal canadien de chirurgie, 64(2), E155–E161. https://doi.org/10.1503/cjs.008119
  4. 28 million elective surgeries may be cancelled worldwide: How non-covid-19 medical care is suffering. (n.d.). Retrieved January 13, 2023, from https://www.weforum.org/agenda/2020/05/covid-19-elective-surgery-cancellation-cancer-pandemic/
  5. State of Health in the EU: Companion Report 2021. (n.d.). Retrieved January 13, 2023, from https://health.ec.europa.eu/system/files/2022-02/2021_companion_en.pdf
  6. Hospitais: As 25 listas de espera de cirurgias mais atrasadas do país. (n.d.). Retrieved January 13, 2023, from https://cnnportugal.iol.pt/saude/lista-de-inscritos-para-cirurgia/hospitais-as-25-listas-de-espera-de-cirurgias-mais-atrasadas-do-pais/20220405/624611d70cf2cc58e7eb87ea%E2%80%8B
  7. Güell, O. (2022, May 02). España Bate El Récord de Pacientes de la Sanidad Pública en espera para operarse por la Resaca de la Pandemia. Retrieved January 13, 2023, from https://elpais.com/sociedad/2022-05-02/espana-bate-el-record-de-pacientes-de-la-sanidad-publica-en-espera-para-operarse-por-la-resaca-de-la-pandemia.html
  8. University of Birmingham. (2022, June 28). NHS elective procedure waiting lists in England set to triple. Retrieved January 13, 2023, from https://www.birmingham.ac.uk/news/2022/waiting-lists-in-england-set-to-triple
  9. Waiting your turn: Wait times for health care in Canada, 2021 report. (2021, December 15). Retrieved January 13, 2023, from https://www.fraserinstitute.org/studies/waiting-your-turn-wait-times-for-health-care-in-canada-2021
  10. Perera, S. K., Jacob, S., Sullivan, R., & Barton, M. (2021). Evidence-based benchmarks for use of cancer surgery in high-income countries: a population-based analysis. The Lancet. Oncology, 22(2), 173–181. https://doi.org/10.1016/S1470-2045(20)30589-1
  11. Anesthesiology: Supply, demand and recruiting trends - Merritt Hawkins. (n.d.). Retrieved January 13, 2023, from https://www.merritthawkins.com/uploadedFiles/anesthesiology-white-paper-merritt-hawkins-2021.pdf
  12. Ageing and health. (n.d.). Retrieved January 13, 2023, from https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/ageing-and-health
  13. Cima, J., Almeida, Á. The impact of cancellations in waiting times analysis: evidence from scheduled surgeries in the Portuguese NHS. Eur J Health Econ 23, 95–104 (2022). https://doi.org/10.1007/s10198-021-01354-5
  14. Turunen, Elina & Miettinen, Merja & Setälä, Leena & Vehviläinen-Julkunen, Katri. (2018). Financial cost of elective day of surgery cancellations. Journal of Hospital Administration. 7. 30. 10.5430/jha.v7n6p30.
  15. González-Arévalo, A & Gómez-Arnau, Juan & delaCruz, F & Marzal, Jose & Ramírez, S & Corral, E & garcia del valle, Santiago. (2009). Causes for cancellation of elective surgical procedures in a Spanish general hospital. Anaesthesia. 64. 487-93. 10.1111/j.1365-2044.2008.05852.x
  16. Mekonen, Semagn & Ali, Yigrem & Basu, Bivash. (2020). Global Prevalence and determinants of preoperative anxiety among surgical patients: A systematic review and Meta-analysis. 10.1016/j.ijso.2020.05.010.
  17. Kaddoum, R., Fadlallah, R., Hitti, E. et al. Causes of cancellations on the day of surgery at a Tertiary Teaching Hospital. BMC Health Serv Res 16, 259 (2016). https://doi.org/10.1186/s12913-016-1475-6
  18. Kumar, R., & Gandhi, R. (2012). Reasons for cancellation of operation on the day of intended surgery in a multidisciplinary 500 bedded hospital. Journal of anaesthesiology, clinical pharmacology, 28(1), 66–69. https://doi.org/10.4103/0970-9185.92442

Matilde Ferreira

Matilde Ferreira

Content Strategy & Communication Manager

Graduated in Communication Sciences, early on fell in love with storytelling. Started off as a journalist and then pivoted to the public relations world, she was always driven to craft relevant stories and bring them to the stage.

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