Voltar ao Blog

Acute Care

Integração dos cuidados: o caminho para reduzir as hospitalizações

O número de admissões no Serviço de Urgência cresce ano após ano. No entanto, muitos destes casos não são emergências reais e outros são evitáveis. Neste blog post exploramos o conceito e os níveis de integração para explicar o seu papel na redução das admissões e hospitalizações.

Matilde Ferreira

Matilde Ferreira

February 23, 2023 · 8 min de leitura

Home care
As admissões no Serviço de Urgência constituem experiências dispendiosas e desagradáveis para os pacientes. Esta é uma realidade que segue uma tendência crescente, mas muitas situações não constituem emergências reais: os doentes estáveis utilizam excessivamente os recursos dos hospitais, os doentes urgentes esperam mais do que o recomendado e há espaço para melhorar a integração com outros níveis de cuidados de forma a reduzir as readmissões. 
Apesar dos esforços e de algumas experiências promissoras no que diz respeito a modelos de cuidados integrados, os sistemas de saúde permanecem fragmentados, centrados em cuidados agudos e episódicos e incapazes de responder às necessidades da sociedade atual: o envelhecimento da população é uma realidade inquestionável e um em cada três adultos vive com uma ou mais doenças crónicas,1 que requerem múltiplas interações com diferentes prestadores, tornando-os mais vulneráveis a cuidados fragmentados e a internamentos recorrentes. 

Decisões erradas por parte dos doentes ou incapacidade do sistema se adaptar às necessidades e preferências dos utentes? 

Muitas pessoas utilizam o Serviço de Urgência (SU) como porta de entrada nos cuidados de saúde, realizando exames e tratamentos desnecessários, desperdiçando recursos e aumentando os custos dos cuidados de saúde. Os doentes acreditam que o serviço de urgência tem maior capacidade resolutiva em comparação com os Cuidados de Saúde Primários - por exemplo, todos os exames complementares de diagnóstico estão disponíveis - e aproximadamente 30% das admissões no Serviço de Urgência são reportadas como inadequadas.2,3
Tal realidade deve ser encarada exclusivamente como uma decisão errada do paciente? O nosso palpite é que não, especialmente tendo em conta que cerca de 40% dos utilizadores frequentes da urgência relatam dor crónica.4 E quando o Serviço de Urgência é visto como o local por excelência para a gestão de doenças crónicas, algo de errado se passa na relação entre o sistema de saúde e os utentes.
Além disso, na última década, o número de admissões na urgência por ambulatory care sensitive (ACS) conditions - em que cuidados comunitários centrados na pessoa podem evitar a necessidade de admissão hospitalar - e por urgent care sensitive (UCS) conditions - exacerbações agudas de condições urgentes - aumentou em 21% e 10%, respetivamente.5 Mesmo reconhecendo que algumas delas serão sempre necessárias, uma taxa elevada pode indiciar admissões preveníveis. 
Vamos por partes: 
  • A definição de utilizador frequente não é consensual, mas quatro ou cinco visitas por ano são os critérios mais comunmente utilizados. Neste contexto, a idade avançada, estatuto socioeconómico mais baixo, comorbilidades crónicas e elevada carga de doença constituem variáveis correlacionadas com o aumento das admissões no Serviço de Urgência.4
  • A resposta insuficiente dos Cuidados de Saúde Primários, a perceção dos doentes de maior conveniência, acessibilidade e resolutividade do SU são frequentemente apontadas como as principais causas para o uso excessivo deste recurso e consequente aumento dos tempos de espera.6 
  • Falhas nas altas hospitalares podem conduzir ao sofrimento desnecessário dos doentes, ao desperdício de recursos e a readmissões que poderiam ser evitadas com intervenções atempadas por outros níveis de cuidados.7,8
Em suma, são necessárias estratégias de integração para reduzir as admissões e hospitalizações, reforçar a referenciação para outros níveis de cuidados e reduzir os riscos associados à alta.

Back to basics: o que é a integração de cuidados?

A Organização Mundial de Saúde e a OCDE têm repetidamente apontado a integração como uma necessidade inequívoca para os sistemas de saúde atuais, criando oportunidades para transformar as experiências de cuidados de saúde das pessoas, de desarticulado para coordenado, reactivo para proativo, e orientado para o serviço personalizado, definindo-o como tal: 

(…) an approach to strengthen people-centered health systems through the promotion of the comprehensive delivery of quality services across the life-course, designed according to the multidimensional needs of the population and the individual and delivered by a coordinated multidisciplinary team of providers working across settings and levels of care. (…). 9

A este respeito, a Nuffield Trust distingue o conceito de cuidados integrados - um princípio organizador da prestação de cuidados com o objetivo de alcançar uma melhor prestação através da coordenação dos serviços - e o conceito de integração - o conjunto de métodos, processos e modelos que visam melhorar coordenação dos cuidados.10

Existem 4 níveis de integração:11
  1. A integração organizacional consiste na elaboração de políticas centradas na coordenação de estruturas e sistemas entre organizações e no estabelecimento de acordos contratuais ou cooperativos entre as mesmas.
  2. A integração administrativa ou funcional centra-se em funções não-clínicas de suporte e back-office, no sentido de partilhar dados e sistemas de informação entre as organizações.  
  3. A integração de serviços visa coordenar diferentes serviços, através de equipas multidisciplinares, criar estruturas únicas de referenciação ou processos únicos de avaliação clínica. 
  4. A integração clínica promove a prestação de cuidados através de um processo único e coerente, quer entre diferentes profissionais, quer entre diferentes níveis de cuidados. Neste nível inclui-se o desenvolvimento de guidelines partilhadas, protocolos ou jornadas de cuidados.
No que diz respeito ao primeiro nível, são conhecidas algumas iniciativas em vários países: por exemplo a criação de Unidades Locais de Saúde em Portugal, Organizações Integradas de Saúde em Espanha, ou mesmo as estratégias Five Year Forward View e NHS Long Term Plan publicadas em Inglaterra. 
O mesmo acontece no nível de integração administrativa ou funcional: alguns países como a Estónia, Finlândia, Portugal ou Espanha estão a dar passos relevantes no sentido de implementar registos de saúde partilhados e acessíveis a prestadores e indivíduos autorizados. No entanto, permanecem vários desafios com a interoperabilidade de dados entre sistemas de informação: um relatório da Comissão Europeia12 revela que o registo de saúde electrónico interoperável não é prática comum na maioria dos sistemas estudados e muitos doentes não podem aceder e utilizar facilmente os seus dados ou transferi-los entre prestadores de cuidados de saúde. 
Por último, mas não menos importante, há ainda mais barreiras quando se trata de integração de serviços ou clínica. Há poucas jornadas de cuidados integrados, multidisciplinares e abrangentes implementadas e os critérios de referenciação não são claros, pelo que os diferentes níveis de cuidados não estão clinicamente ligados. Além disso, ainda é difícil aceder a informação de saúde estruturada, compilada e atualizada em tempo real, de acordo com a evolução de cada paciente na sua jornada.

Cuidados integrados com a UpHill: reforçar os Cuidados de Saúde Primários, apoiar a referenciação e evitar readmissões e hospitalizações evitáveis 

Tendo em conta o ponto de partida deste artigo - reduzir as admissões e/ou hospitalizações preveníveis e evitáveis - os provedores precisam de repensar (e redesenhar) os processos através dos quais os cuidados são prestados para ligar episódios de cuidados fragmentados - que os fazem gastar demasiado com intervenções preveníveis e os doentes experienciar piores resultados. Ou seja, os prestadores de cuidados precisam de criar jornadas de cuidados contínuas, multi-níveis e multidisciplinares.  
A jornada de cuidados não pode começar nem terminar no Serviço de Urgência. A redução de internamentos e/ou hospitalizações evitáveis implica reforçar os Cuidados de Saúde Primários de forma a garantirem a vigilância dos doentes e detetar complicações antecipadamente, e, por outro lado, a implementação de mecanismos seguros e transparentes para apoiar o referenciação de doentes não urgentes do Serviço de Urgência para outros níveis de cuidados - tal como recomendado pelas diretrizes oficiais.13,14

Integração de cuidados com a UpHill:

  • Mapeamento da jornada ao longo de vários prestadores e níveis de cuidados;
  • Apoio à decisão no diagnóstico e tratamento para autonomizar os médicos generalistas e fornecer cuidados primários auto-suficientes;
  • Definição de critérios de referenciação (da prevenção aos cuidados paliativos) para garantir que o doente é assistido no nível correcto de cuidados;
  • Estratificação automática do doente através de questionários e scores validados que encaminham o doente para o nível de cuidados correcto de acordo com o risco;
  • Follow-up automático pós-alta do SU, quando apropriado, para que os médicos possam dar alta em segurança;
  • Follow-up automático de doentes crónicos com identificação automática de sinais de alerta que permitem detetar conveniente e antecipadamente a deterioração do estado de saúde;
  • Acompanhamento do progresso do doente em tempo real, partilhado com equipas de diferentes níveis, fornecendo uma fonte de verdade única para as necessidades e história clínica do paciente.
É consensual que a fragmentação dos cuidados de saúde prejudica particularmente os doentes crónicos, que muitas vezes requerem cuidados de diferentes tipos de profissionais e especialistas, bem como uma relação a longo prazo com o sistema de saúde. De facto, estes constituem boa parte dos utilizadores frequentes do Serviço de Urgência, o que indica que a integração dos cuidados é também crucial para reduzir as admissões nos hospitais.  
Tal, implica muito mais do que criar interfaces entre diferentes níveis de cuidados: trata-se de ligar todos os pontos dispersos para profissionais de saúde e doentes, com uma jornada de cuidados contínua, multinível, multidisciplinar e digital. Uma jornada tão previsível quanto possível, que se ajusta automaticamente de acordo com o progresso do paciente, que quebra as barreiras dos cuidados tradicionais e antecipa as necessidades do doente, evitando descompensações, admissões e hospitalizações. 
Contacte-nos para saber como a UpHill apoia os prestadores de cuidados de saúde a trabalhar de forma coordenada e integrada, com foco na prevenção e intervenção precoce, assegurando assim que os pacientes recebem os cuidados certos no momento certo.

Referências

  1. Hajat, C., & Stein, E. (2018). The global burden of multiple chronic conditions: A narrative review. Preventive medicine reports, 12, 284–293. https://doi.org/10.1016/j.pmedr.2018.10.008
  2. Uscher-Pines, L., Pines, J., Kellermann, A., Gillen, E., & Mehrotra, A. (2013). Emergency department visits for nonurgent conditions: systematic literature review. The American journal of managed care, 19(1), 47–59.
  3. OECD (2017), Tackling Wasteful Spending on Health, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264266414-en.
  4. Shergill, Y., Rice, D., Smyth, C., Tremblay, S., Nelli, J., Small, R., . . . Poulin, P. (2020). Characteristics of frequent users of the emergency department with chronic pain. Canadian Journal of Emergency Medicine, 22(3), 350-358. doi:10.1017/cem.2019.464
  5. Potentially preventable emergency admissions. (2022). The Nuffield Trust. Available at: https://www.nuffieldtrust.org.uk/resource/potentially-preventable-emergency-hospital-admissions(Accessed: February 23, 2023).
  6. Boonyasai, R.T. et al. (2014) Improving the emergency department discharge process: Environmental ..., Agency for Healthcare Research and Quality. Available at: https://www.ahrq.gov/sites/default/files/wysiwyg/professionals/systems/hospital/edenvironmentalscan/edenvironmentalscan.pdf 
    (Accessed: January 30, 2023).
  7. Poor discharge practice leading to 'unnecessary patient suffering' (2015) NICE. Available at: 
    https://www.nice.org.uk/news/article/poor-discharge-practice-leading-to-unnecessary-patient-suffering
    (Accessed: January 30, 2023).
  8. Pham, J.C., Bayram, J.D. and Moss, D.K. (no date) Characteristics of frequent users of three hospital emergency departments, AHRQ. Available at:
    https://www.ahrq.gov/patient-safety/settings/emergency-dept/frequent-use.html#intro (Accessed: January 30, 2023).
  9. Satylganova, Altynai. (2016). Integrated care models: an overview. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2016. Available at: https://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0005/322475/Integrated-care-models-overview.pdf (Accessed: February 22, 2023).
  10. Shaw S, Rosen R and Rumbold B (2011) What is integrated care? Research report. Nuffield Trust. Available at: https://www.nuffieldtrust.org.uk/files/2017-01/what-is-integrated-care-report-web-final_copy1.pdf (Accessed: February 22, 2023).
  11. Scobie S (2021) Integrated care explained, Nuffield Trust explainer. Available at: https://www.nuffieldtrust.org.uk/resource/integrated-care-explained (Accessed: February 22, 2023).
  12. Interoperability of Electronic Health Records in the EU. (2021). The European Commission. Available at:https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/library/interoperability-electronic-health-records-eu (Accessed: February 22, 2023).
  13. Guidance for emergency departments: Initial assessment. (NHS England). Retrieved February 23, 2023, from https://www.england.nhs.uk/guidance-for-emergency-departments-initial-assessment/#initial-assessment
  14. Termos de referenciação dos episódios de urgência classificados na triagem de prioridades como Pouco Urgentes/ Não Urgentes/Encaminhamento inadequado para o Serviço (cor verde, azul ou branca, respetivamente) nos serviços de urgência hospitalares para os cuidados de saúde primários e outras respostas hospitalares programadas (ACSS). Retrieved February 23, 2023, from https://apmgf.pt/wp-content/uploads/2022/08/Circular_Normativa_11_2022.pdf
Matilde Ferreira

Matilde Ferreira

Content Strategy & Communication Manager

Graduated in Communication Sciences, early on fell in love with storytelling. Started off as a journalist and then pivoted to the public relations world, she was always driven to craft relevant stories and bring them to the stage.

Get the latest on UpHill resources.