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Acute Care

Tempo: o desafio que sabota os Serviços de Urgência

O tempo é a variável comum que liga os maiores desafios na formação dos atuais Serviços deUrgências e hospitais. Leia o blog post para perceber porquê.

Matilde Ferreira

Matilde Ferreira

February 1, 2023 · 7 min de leitura

Milhões de doentes visitam todos os anos os Serviços de Urgência hospitalar para uma variedade de lesões e enfermidades. Estes pacientes devem receber os cuidados adequados - atempadamente - e a preparação correta para o seu regresso a casa em segurança.
Os profissionais de saúde que trabalham nas urgências têm de estar preparados para tudo, a qualquer momento. Os utentes apresentam vários graus de complicações, há múltiplas interrupções e o ritmo acelerado mantém médicos e enfermeiros atentos. A crescente necessidade de cuidados on-demand pressiona os hospitais e leva as equipas ao limite, enquanto a sobrelotação do serviço afeta negativamente a saúde dos pacientes, a acessibilidade e a qualidade dos cuidados de saúde.

"Um completo estado de crise": alta afluência e tempos de espera excessivos estão a sabotar as urgências

"Um completo estado de crise",1 "intolerável e insustentável",1 "a tempestade perfeita para o colapso",2 ou mesmo um sistema "colapsado".2 Estas são as palavras escolhidas pelos profissionais de saúde que trabalham nos Serviços de Urgência para descrever a situação atual:
  1. No final de 2022, as urgências de Montreal (Canadá) atingiam cerca de 150% de capacidade e algumas ultrapassavam os 200%.3
  2. O Reino Unido comunicou um aumento de 18% nos serviços de Accident & Emergency (A&E) durante as últimas seis semanas de 2022, em comparação com o ano anterior.1
  3. No mesmo período, cada hospital em Lisboa (Portugal) registava cerca de 800 visitas diárias.4
  4. Em Espanha, há hospitais que iniciam um novo dia com até 110 pacientes à espera de serem admitidos numa enfermaria.2
Os Serviços de Urgência enfrentam um padrão de aumento da procura, com uma tendência de 2-3% de crescimento anual descrita na literatura.5 Na Europa, 70-80% das admissões hospitalares são geradas nas urgências5 e esperar tornou-se uma característica determinante da experiência dos cuidados de saúde.
Atualmente, a convergência de uma variedade de problemas fazem das urgências um ponto sensível para profissionais e gestores dos cuidados de saúde. As principais causas vão desde visitas inadequadas - devido à falta de apoio adequado por parte dos cuidados primários - ao desajuste entre oferta e procura causado pela escassez de mão-de-obra.

1. Visitas não-urgentes, inadequadas e desnecessárias

Embora continue a haver controvérsia em torno das definições de visitas "não urgentes", "inadequadas", ou "desnecessárias", a verdade é que muitas pessoas utilizam os Serviços de Urgência como a porta de entrada para os cuidados de saúde. Tal prática, conduz à realização de exames e tratamentos desnecessários, desperdiçando recursos e aumentando os custos dos cuidados de saúde. Especificamente, nos países desenvolvidos, 20 a 30% das admissões nas urgências são consideradas não emergentes e, portanto, inapropriadas.6,7
Além de criar entropia, aumentando os tempos de espera e dispersando o foco dos profissionais de saúde, o uso indiscriminado do Serviço de Urgência tem um impacto significativo nos custos de saúde. Dados dos EUA mostram que aproximadamente 4,4 mil milhões de dólares poderiam ser poupados anualmente8 através da gestão desses pacientes em níveis de cuidados alternativos.
No entanto, a resposta insuficiente dos cuidados primários é um indicador insuficiente face ao que se esperava que refletisse para justificar a falta de acesso. Um estudo da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) concluiu que ter um prestador de cuidados primários não é suficiente para dissuadir a utilização frequente das urgências por doentes de alto risco:

Based on interviews with the enrolled patients and analysis of their responses to open-ended questions about barriers to care, other explanations for ED use primarily related to greater convenience and accessibility of ED care (e.g., limited office hours of primary care providers).9

Neste sentido, o problema da sobreutilização das urgências não é consequência de uma tomada de decisão inadequada por parte do paciente, e deve ser encarada como o resultado da incapacidade dos cuidados de saúde em se adaptarem às necessidades e preferências dos utentes.10
Mesmo admitindo que nem todas as causas podem ser abordadas a partir de ou pelo Serviço de Urgência e requerem abordagens coordenadas de cuidados, há espaço para melhorias na triagem de pacientes não-emergentes, na criação de "vias verdes" para exames e no acompanhamento após a alta, conduzindo a uma utilização mais eficiente do tempo dos doentes e do tempo dos profissionais que iremos explorar nos próximos posts no blogue.

2. Doentes que abandonam o serviço de urgência sem serem atendidos ou durante o tratamento

Os doentes que são admitidos nas urgências, são triados, mas saem sem serem avaliados por um médico ou durante o tratamento são uma preocupação para os prestadores de cuidados de saúde.
Esta população que varia entre 1% e 10% de todos os triados,11 é percebida como um indicador que reflete o défice no acesso aos cuidados de saúde e segurança dos doentes, uma vez que estes pacientes não recebem os cuidados que procuravam quando originalmente necessitavam, experienciando, consequentemente, outcomes evitáveis, e representando um risco mais elevado de readmissão nas urgências num prazo de 48 horas,12 em comparação com aqueles que completam o tratamento.
Por um lado, alguns estudos relatam que os doentes que abandonam o SU provavelmente não estão suficientemente doentes para lá estarem e são utilizadores recorrentes.13 Por outro lado, outros refutam esta ideia e revelam que os mesmos pacientes são rehospitalizados no prazo de 24 horas.14 Contudo, há um ponto comum: todos os estudos que analisam esta questão culpam a sobrelotação e o tempo de espera excessivo como razões principais para a saída.
Os resultados dos hospitais são afetados quer diretamente - perda de receitas por oportunidades desperdiçadas na prestação de cuidados -, quer indiretamente - sob a forma de penalizações de reembolso por uma diminuição dos índices de satisfação.
Embora sejam necessários esforços de recrutamento e retenção, estes parecem manifestamente insuficientes para lidar com um desafio tão complexo: os prestadores devem redesenhar o fluxo dos doentes e encontrar estratégias para otimizar as consultas, a fim de criar o tempo necessário para esses pacientes.

3. Falhas nas altas e readmissões

A má prática no momento da alta hospitalar pode conduzir ao sofrimento desnecessário dos doentes, ao desperdício de recursos e a readmissões. No Reino Unido, são reportadas mais de um milhão de readmissões de emergência no prazo de 30 dias após a alta, custando anualmente mais de £2,4 mil milhões.15
A literatura disponível define uma alta de elevada qualidade como aquela que contém três características principais:16
  1. Informa e educa os doentes sobre o seu diagnóstico, prognóstico, plano de tratamento, e curso esperado da doença.
  2. Apoia os pacientes na recepção de cuidados pós-alta.
  3. Coordena os cuidados de urgência no contexto do sistema de saúde (outros prestadores de cuidados de saúde, serviços sociais, etc.).
A natureza acelerada do Serviço de Urgência agrava o desafio de assegurar a compreensão das instruções de alta - o fator de risco mais relatado entre os pacientes examinados pela AHRQ.9
Além das instruções de alta e educação para a doença e/ou prescrição médica, as intervenções possíveis incluem a estruturação do acompanhamento e monitorização pós-visita, capaz de manter os doentes no bom caminho e antecipar episódios inesperados. Leia o nosso próximo post no blogue para saber como a UpHill estrutura o acompanhamento pós-alta e melhora a coordenação dos cuidados.

4. Gestão de stress, volume de trabalho e responsabilidade

A urgência é, inerentemente à sua natureza, um ambiente tenso, agitado e em constante mudança, o que para a maioria das pessoas pode ser bastante stressante. Com um número frequentemente elevado de pessoas à espera de serem vistas, e diferentes papéis interligados, cujo trabalho é mutuamente influenciado, pode ser uma quantidade avassaladora de pessoas a coordenar num só serviço.
Além disso, vistas como a porta principal dos serviços de saúde, há períodos em que as urgências se tornam caóticos e um local de trabalho difícil para algumas pessoas.
Trabalhar no Serviço de Urgência dos hospitais está, de facto, relacionado com o aumento dos níveis de stress,17 principalmente devido a:
  1. Tomada de decisões: os profissionais de saúde precisam de tomar decisões rápidas e precisas, sob pressão, sabendo que essa decisão afeta a qualidade de vida das pessoas que estão a ser vistas.
  2. Sintomas inespecíficos ou vagos: determinar quais dos doentes têm condições potencialmente nefastas e quais podem ser receber alta em segurança é um enorme desafio que requer habilidade e experiência.
  3. Ansiedade dos doentes: os profissionais de saúde precisam de gerir doentes agitados, particularmente no contexto da urgência.
  4. Escassez de recursos: trabalhar sem camas de internamento disponíveis tem sido uma preocupação crescente entre os internos nos últimos dez anos.18
  5. Volume de trabalho: trabalhar enquanto muitos outros doentes esperam para serem vistos é mencionado como um fator de stress adicional.
Mesmo assim, os principais fatores de stress e exaustão dos médicos não são o stress e a exaustão, são tarefas mundanas como a "papelada" e a burocracia dos cuidados de saúde. Neste contexto, os prestadores são chamados a reduzir o volume de trabalho de baixo valor que sobrecarrega os profissionais, ao mesmo tempo que apoiam decisões difíceis e urgentes em matéria de cuidados de saúde.

Takeaways:

  1. Os Serviços de Urgência enfrentam um padrão de procura crescente, com o número de admissões a crescer ano após ano.
  2. "Falta de tempo", "pressa" e "tempos de espera" são palavras amplamente utilizadas para descrever o ambiente das urgências.
  3. Para melhorar o desempenho dos Serviços de Urgência são necessárias estratégias que otimizem a triagem, a estratificação dos doentes e a duração das consultas, bem como potenciem interações resolutivas.
  4. Otimizar a eficiência destes serviços também exige a redefinição dos processos, visando a utilização mais eficiente do tempo dos pacientes e dos profissionais.
  5. Os cuidados não devem terminar no momento da alta e as estratégias de follow-up após a alta são cruciais para reduzir as readmissões evitáveis, que aumentam os tempos de espera e os custos dos cuidados de saúde.
  6. Os hospitais estão a perder força de trabalho, que se sente cansada de trabalhar constantemente sob pressão, e devem encontrar as ferramentas necessárias para reforçar a confiança dos profissionais durante a tomada de decisões e libertá-los de tarefas de baixo valor.

Referências

  1. Adams, C. (2023) Pressure on the NHS is unsustainable, Medics Warn, BBC News. BBC. Available at: https://www.bbc.com/news/health-64142614 (Accessed: January 30, 2023).
  2. McMurtry, A. (2023) In Spain, emergency rooms overflow, patients wait days to be admitted, Anadolu Ajansı. Available at: https://www.aa.com.tr/en/europe/in-spain-emergency-rooms-overflow-patients-wait-days-to-be-admitted/2785382 (Accessed: January 30, 2023).
  3. Shingler , B. (2022) Canada's ERS are under intense pressure - and winter is Coming | CBC news, CBCnews. CBC/Radio Canada. Available at: https://www.cbc.ca/news/canada/canada-ontario-quebec-bc-alberta-emergency-rooms-1.6616811 (Accessed: January 30, 2023).
  4. Hospitais da Região de Lisboa com elevada Procura nas Urgências (2022) DN. Diário de Notícias. Available at: https://www.dn.pt/sociedade/hospitais-da-regiao-de-lisboa-com-elevada-procura-nas-urgencias-15335474.html(Accessed: January 30, 2023).
  5. European Emergency Medicine in Numbers (2020). EUSEM - European Society for Emergency Medicine. Available at: https://eusem.org/images/European_EM_in_numbers.pdf (Accessed: January 30, 2023).
  6. OECD (2017), Tackling Wasteful Spending on Health, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264266414-en.
  7. Uscher-Pines, L., Pines, J., Kellermann, A., Gillen, E., & Mehrotra, A. (2013). Emergency department visits for nonurgent conditions: systematic literature review. The American journal of managed care, 19(1), 47–59.
  8. Weinick, R. M., Burns, R. M., & Mehrotra, A. (2010). Many emergency department visits could be managed at urgent care centers and retail clinics. Health affairs (Project Hope), 29(9), 1630–1636. https://doi.org/10.1377/hlthaff.2009.0748
  9. Pham, J.C., Bayram, J.D. and Moss, D.K. (no date) Characteristics of frequent users of three hospital emergency departments, AHRQ. Available at: https://www.ahrq.gov/patient-safety/settings/emergency-dept/frequent-use.html#intro (Accessed: January 30, 2023).
  10. Chaiyachati K, Kangovi S. Inappropriate ED visits: patient responsibility or an attribution bias? BMJ Quality & Safety 2020;29:441-442.
  11. Li, D. R., Brennan, J. J., Kreshak, A. A., Castillo, E. M., & Vilke, G. M. (2019). Patients Who Leave the Emergency Department Without Being Seen and Their Follow-Up Behavior: A Retrospective Descriptive Analysis. The Journal of emergency medicine57(1), 106–113. https://doi.org/10.1016/j.jemermed.2019.03.051
  12. Tropea, J., Sundararajan, V., Gorelik, A., Kennedy, M., Cameron, P., & Brand, C. A. (2012). Patients who leave without being seen in emergency departments: an analysis of predictive factors and outcomes. Academic emergency medicine: official journal of the Society for Academic Emergency Medicine, 19(4), 439–447. https://doi.org/10.1111/j.1553-2712.2012.01327.x
  13. Li, D. R., Brennan, J. J., Kreshak, A. A., Castillo, E. M., & Vilke, G. M. (2019). Patients Who Leave the Emergency Department Without Being Seen and Their Follow-Up Behavior: A Retrospective Descriptive Analysis. The Journal of emergency medicine57(1), 106–113. https://doi.org/10.1016/j.jemermed.2019.03.051
  14. Roberts, James R. MD. Patients Who Leave the ED Without Being Seen. Emergency Medicine News 27(11):p 18-22, November 2005.
  15. Poor discharge practice leading to 'unnecessary patient suffering' (2015) NICE. Available at: https://www.nice.org.uk/news/article/poor-discharge-practice-leading-to-unnecessary-patient-suffering(Accessed: January 30, 2023).
  16. Boonyasai, R.T. et al. (2014) Improving the emergency department discharge process: Environmental ..., Agency for Healthcare Research and Quality. Available at: https://www.ahrq.gov/sites/default/files/wysiwyg/professionals/systems/hospital/edenvironmentalscan/edenvironmentalscan.pdf (Accessed: January 30, 2023).
  17. García-Tudela, Á., Simonelli-Muñoz, A. J., Rivera-Caravaca, J. M., Fortea, M. I., Simón-Sánchez, L., González-Moro, M. T. R., González-Moro, J. M. R., Jiménez-Rodríguez, D., & Gallego-Gómez, J. I. (2022). Stress in Emergency Healthcare Professionals: The Stress Factors and Manifestations Scale. International journal of environmental research and public health, 19(7), 4342. https://doi.org/10.3390/ijerph19074342
  18. Perina DG, Marco CA, Smith-Coggins R, Kowalenko T, 6 ©JWellness 2021 Vol 3, (2) Johnston MM, Harvey A. Well-Being among Emergency Medicine Resident Physicians: Results from the ABEM Longitudinal Study of Emergency Medicine Residents. J Emerg Med. 2018 Jul;55(1):101–109.e2.
Matilde Ferreira

Matilde Ferreira

Content Strategy & Communication Manager

Graduated in Communication Sciences, early on fell in love with storytelling. Started off as a journalist and then pivoted to the public relations world, she was always driven to craft relevant stories and bring them to the stage.

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