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Care Integration

Prioritização: a solução para quando a procura é elevada e os recursos são limitados

As estratégias tradicionais não chegam para os sistemas de saúde responderem à procura. Porquê? Porque enfrentam uma mudança profunda: concebidos para lidar maioritariamente com situações agudas, os sistemas de saúde veem crescer exponencialmente os doentes crónicos que requerem uma relação (e respostas) a longo prazo.

Matilde Ferreira

Matilde Ferreira

April 11, 2023 · 10 min de leitura

Longas listas de espera para cirurgias eletivas, prolongadas listas de espera para consultas médicas e intermináveis tempos de espera nas urgências. A realidade é bem conhecida:
  • Em Inglaterra, há cerca de 40.000 pessoas1 esperam mais de 18 meses (cerca de um ano e meio) por uma cirurgia, e, em dezembro, mais de 54.500 pacientes2 esperaram mais de 12 horas para serem admitidos nas urgências.
  • Em Espanha, cerca de 800.000 pessoas3 estão em lista de espera para intervenções cirúrgicas - um novo recorde no país - e cerca de 20% têm de esperar mais de seis meses. Já quem precisa de uma consulta com especialista espera, em média, 79 dias.4
  • Em Portugal, o número de consultas e cirurgias realizadas cresceu durante o último ano - 8% e 15%, respetivamente - mas não foi suficiente para acompanhar a procura, que aumentou 20%.5
E são apenas alguns exemplos.
É consensual a exigência crescente a que o setor está exposto e, se nada mudar, manter-se-à: a procura continuará a aumentar, em contraste com a disponibilidade de profissionais de saúde. Simplificando, aproximadamente um em cada três adultos vive com múltiplas doenças crónicas - que exigem múltiplas interações com diferentes prestadores de cuidados de saúde.6 Por outro lado, faltam recursos humanos - de acordo com a Organização Mundial de Saúde, haverá um défice de 10 milhões de trabalhadores no setor em 2030.7

Um apelo global para a mudança

As estratégias tradicionais, baseadas no volume - nas quais o aumento da procura é abordado com mais recursos - já não são suficientes, uma vez que as necessidades mudaram radicalmente: concebidos para lidar maioritariamente com situações agudas, os sistemas de saúde veem crescer exponencialmente os doentes crónicos que requerem uma relação (e respostas) a longo prazo.
Em causa está a necessidade de repensar e redefinir os processos de prestação de cuidados de saúde para os tornar mais integrados, mais eficientes e mais adequados às exigências atuais. Mais do que serviços isolados, os sistemas de saúde precisam de fornecer soluções.
Assim, a primeira mensagem-chave que deixamos neste artigo é simples: cuidados episódicos, planeados com base em cronogramas estáveis, desalinhados com a natureza dinâmica e imprevisível da evolução clínica, não respondem às necessidades atuais. Porquê? Porque as agudizações, no contexto da doença crónica, não acontecem com data e hora marcada.
Assim, os prestadores de cuidados de saúde têm que ter capacidade para responder prontamente às situações agudas quando estas ocorrem, ou melhor ainda, a capacidade de as antecipar - a evidência mostra que cerca de 25% dos internamentos hospitalares poderiam ser evitados com intervenções atempadas,8 o que significa que os recursos - humanos, financeiros e físicos - estão a ser utilizados de forma subótima.

Eficiência alocativa: a capacidade de fazer mais com os mesmos recursos

O ponto fulcral deste tema é rapidamente explicado como a capacidade de atribuir os recursos certos, ao doente certo, no momento certo, melhorando a eficiência alocativa do sistema de saúde.

Allocative efficiency is about whether to do something, or how much of it to do, rather than how to do it. Allocative efficiency in health care is achieved when it is not possible to increase the overall benefits produced by the health system by reallocating resources (…).9

Num contexto como aquele que descrevemos anteriormente - em que os sistemas de saúde têm de acompanhar o aumento exponencial da procura, mantendo os mesmos recursos humanos, porque não seguirão a mesma tendência crescente - a eficiência alocativa surge como uma capacidade essencial para o fazer:
  • Evitar o desperdício de recursos - englobando tanto recursos técnicos, como consultas ou o tempo dos profissionais de saúde - com pacientes estáveis.
  • Evitar as agudizações e reduzir as hospitalizações e admissões desnecessárias nos serviços de urgência, evitando custos desnecessários.
Nesta linha de raciocínio, a eficiência alocativa inclui a priorização dos doentes, decidindo quais devem ser atendidos, e quem deve ser atendido primeiro, quando a procura é grande, e os recursos são limitados.
Nota: não se trata de deixar doentes sem vigilância ou em autogestão, trata-se de ajustar os níveis de resposta do sistema de saúde a cada pessoa, de acordo com o seu risco, e tirar partido das tecnologias de saúde já existentes.

Priorização: um chavão para manter top of mind

A priorização, definida como “o processo de hierarquizar a referenciação de doentes seguindo uma determinada ordem com base em critérios”,10 é uma das estratégias possíveis para melhorar a equidade na gestão de listas de espera. Tal prática difere da abordagem FIFO (first in, first out) que ordena os doentes em listas de espera cronologicamente, e de métodos de triagem usados ​​para classificar os doentes em categorias amplas (por exemplo, baixa/moderada/alta prioridade). A priorização diz respeito a serviços não urgentes que envolvem maior variedade no que diz respeito a cronogramas e doentes.

Abordagem UpHill: priorização de doentes em jornadas de cuidados capacitadas com seguimentos contínuos e automáticos

A continuidade dos cuidados é uma necessidade inequívoca para os sistemas de saúde atuais, criando oportunidades para transformar experiências desarticuladas e reativas, em cuidados coordenados, proativos e personalizados.
Anteriormente, explorámos os requisitos essenciais para ligar todos os pontos dispersos dos sistemas de saúde. Em súmula, as jornadas de cuidados são a base de um sistema totalmente novo, concebido sem o peso da infraestrutura de capital, das tradições vinculadas às pessoas, e dos bloqueios de privacidade de dados e segurança totalmente desproporcionais.
Uma jornada multidisciplinar e abrangente indica o percurso que o doente vai seguir desde o momento em que é diagnosticado – um mapa que une vários pontos do sistema e guia a prestação de cuidados através de diferentes profissionais, equipas, departamentos, prestadores e níveis de cuidados. Esta é a garantia de que cada doente recebe os cuidados adequados, em cada momento e independentemente do local onde se encontra, precisamente por definir todas as etapas pelas quais deve passar e o que acontece em cada uma delas.  
A UpHill Care Journey é um plano de cuidados multidisciplinar que orienta a progressão do paciente através de uma sequência de etapas traduzidas a partir de guidelines e aplicadas a contextos personalizados, permitindo o apoio à decisão e a automatização digital das actividades clínicas, e visando a normalização dos cuidados e a melhoria dos resultados e da experiência do paciente.
Qual a relação entre a priorização e as jornadas de cuidados?
Na UpHill, olhamos para a priorização de doentes crónicos com base em 3 dimensões interligadas que só existem se, na base, existir uma jornada de cuidados:
  1. Follow-up: o primeiro passo para melhorar a continuidade dos cuidados é a monitorização contínua do progresso do doente, e, para isso, a UpHill implementa seguimentos automáticos capazes de identificar automaticamente sinais de alarme e detetar atempada e convenientemente a deterioração do estado de saúde do doente. Este canal funciona de forma bidireccional, o que significa que também dá ao paciente a autonomia para comunicar a deterioração da sua doença.
  2. Estratificação de risco: o segundo passo consiste em dar um significado acionável aos dados recolhidos. Com base nas respostas dos doentes a questionários e scores validados, a UpHill identifica o risco do doente e gera diferentes níveis de alerta que avisam as equipas de saúde sobre os casos a que devem dar maior prioridade.
  3. Ajuste do plano de cuidados: finalmente, com base no risco, são sugeridas as próximas ações (ou mesmo automatizadas quando aplicável), o que significa que a jornada de cuidados é ajustada às necessidades de cada paciente. Em suma, cada etapa da jornada de cuidados baseada na melhor e mais aplicável evidência científica disponível, é ajustada de forma, rápida, flexível e automática de acordo com o progresso e as necessidades do paciente.

O exemplo de dois doentes com enxaqueca grave:

Realidade atual: na maioria dos hospitais, dois doentes diagnosticados com enxaqueca crónica de gravidade semelhante são seguidos numa ordem sequencial, baseada em cronogramas constantes que não se adaptam à progressão da doença, e para os quais se encontra pouca ou nenhuma orientação nas guidelines.

Significa que dois doentes seguidos pela mesma equipa clínica esperam exatamente o mesmo tempo para serem vistos pelo seu médico novamente, mesmo considerando que:
  • O paciente A pode ter dois episódios agudos entre as consultas de seguimento, levando-o a ser admitido nas urgências.
  • O paciente B pode não ter episódios agudos entre as consultas de acompanhamento.
Adicionalmente, existe uma lacuna de informação sobre o impacto da doença, evolução dos sintomas, etc., entre as consultas. Por outras palavras, quando chegam à consulta, os doentes podem estar estáveis (e a consulta é desnecessária) ou já terem sofrido episódios agudos que justificariam a sua antecipação. Ou seja, o acompanhamento é cego face à evolução do doente.
Cenário ideal: com uma abordagem de priorização de cuidados, a jornada do cuidados é muito mais flexível às suas necessidades, que podem ser reportadas pelo próprio ou identificadas pela equipa clínica. Os mecanismos de acompanhamento são acionados para avaliar a frequência, gravidade e duração dos episódios de crise e, quando necessário, as consultas presenciais são antecipadas.
Tal como no cenário anterior, estes dois doentes têm o mesmo tipo de enxaqueca, mas uma evolução clínica bastante diferente, exigindo abordagens diferentes:
  • Os sinais de alerta comunicados pelo Paciente A são prontamente monitorizados pela sua equipa clínica, remotamente, e a consulta de seguimento é antecipada sempre que necessário.
  • Sem sinais de alarme ou necessidades imprevistas, a consulta de seguimento é mantida.

Principais vantagens

Para os doentes:
  • Melhor gestão da doença e cuidados mais convenientes.
  • Acesso rápido aos serviços de saúde em caso de deterioração clínica.
  • Sensação de proximidade face à equipa clínica, mesmo entre pontos de contacto tradicionais.
Para profissionais de cuidados de saúde:
  • Mais tempo disponível para os doentes mais graves e menos tempo gasto em tarefas de seguimento.
  • Prevenção da descompensação através de uma resposta rápida às necessidades dos pacientes.
Para as instituições de cuidados de saúde:
  • Maior eficiência alocativa: mais capacidade para os doentes graves, aliviando os profissionais de saúde de tarefas de baixo valor.
  • Menos hospitalizações e readmissões, e menos custos.
Será que a priorização funciona? O que dizem os números
Uma revisão sistemática dos instrumentos de priorização em serviços de saúde não urgentes afirma que "é difícil avaliar os resultados tendo em conta a diversidade entre os ambientes, a ferramenta, ou processo utilizado nos estudos".10 No entanto, aponta vários estudos que concluem que o processo de priorização está associado a tempos de espera mais reduzidos.
Além disso, estudos de viabilidade mostram que 70% das consultas de seguimento poderiam ser feitas por telefone ou vídeo ou não precisavam de acontecer de todo11 - o que indica uma clara margem para melhoria no que diz respeito à eficiência alocativa com base na priorização dos doentes - e muitos outros revelam os custos exorbitantes das intervenções que poderiam ser evitadas através de uma melhor estratificação do risco e antecipação dos cuidados.12-14
A UpHill implementou um use case de seguimento iniciado pelo doente (Patient Initiated Follow-up) num Hospital Universitário Português com resultados promissores: 65% dos alertas foram resolvidos sem uma visita presencial ao hospital (poupando tempo e recursos) e apenas 22% dos pacientes que acionaram o seguimento foram encaminhados para o Serviço de Urgência (evitando visitas desnecessárias de outros pacientes).
Fale connosco para saber mais sobre como a UpHill pode ajudar o seu hospital a melhorar a eficiência alocativa e a priorização dos doentes.

Referências

  1. NHS. (2023, February 22). NHS cuts elective backlog with longest waiters down a quarter in one month. NHS England. Retrieved April 14, 2023, from https://www.england.nhs.uk/2023/02/nhs-cuts-elective-backlog-with-longest-waiters-down-a-quarter-in-one-month/
  2. Neville, S. (2023, January 12). Ambulance and A&E Waiting Times hit new high in England. Financial Times. Retrieved April 14, 2023, from https://www.ft.com/content/1eb9c356-3b93-4efd-a7f9-e461e8c3ee69
  3. Donmez, B. B. (2023, April 4). Waiting lists for surgery in Spain break new record with almost 800,000 in queue. Anadolu Ajansı. Retrieved April 14, 2023, from https://www.aa.com.tr/en/europe/waiting-lists-for-surgery-in-spain-break-new-record-with-almost-800-000-in-queue/2863273
  4. Feced, C. G. (2023, January 20). Las listas de espera de la sanidad española: Este es el tiempo que tardan en atenderte u operarte en Cada comunidad. Business Insider España. Retrieved April 14, 2023, from https://www.businessinsider.es/listas-espera-sanidad-espanola-comunidades-autonomas-1187000
  5. Campos, A. (2023, March 15). SNS Nunca Fez Tantas cirurgias, mas listas de espera continuam a crescer, Diz Fernando Araújo. PÚBLICO. Retrieved April 14, 2023, from https://www.publico.pt/2023/03/15/sociedade/noticia/sns-fez-tantas-cirurgias-listas-espera-continuam-crescer-fernando-araujo-2042462
  6. Hajat, C., & Stein, E. (2018). The global burden of multiple chronic conditions: A narrative review. Preventive medicine reports, 12, 284–293. https://doi.org/10.1016/j.pmedr.2018.10.008
  7. World Health Organization. (n.d.). Health workforce. World Health Organization. Retrieved April 13, 2023, from https://www.who.int/health-topics/health-workforce
  8. High impact change model: Reducing preventable admissions. Local Government Association. (2021, May 26). Retrieved April 14, 2023, from https://www.local.gov.uk/publications/high-impact-change-model-reducing-preventable-admissions
  9. Shiell A, Donaldson C, Mitton C, et alHealth economic evaluationJournal of Epidemiology & Community Health 2002;56:85-88.
  10. Déry, J., Ruiz, A., Routhier, F. et al. A systematic review of patient prioritization tools in non-emergency healthcare services. Syst Rev 9, 227 (2020). https://doi.org/10.1186/s13643-020-01482-8
  11. Cullen, S. (n.d.). Using digital follow-up assessments to reduce unnecessary face-to-face appointments. NHS England. Retrieved April 14, 2023, from https://transform.england.nhs.uk/key-tools-and-info/digital-playbooks/cancer-digital-playbook/using-digital-follow-up-assessments-to-reduce-unnecessary-face-to-face-appointments/
  12. McDermott KW (IBM Watson Health), Jiang HJ (AHRQ). Characteristics and Costs of Potentially Preventable Inpatient Stays, 2017. HCUP Statistical Brief #259. June 2020. Agency for Healthcare Research and Quality, Rockville, MD.
    www.hcup-us.ahrq.gov/reports/statbriefs/sb259-Potentially-Preventable-Hospitalizations-2017.pdf.
  13. Rocha, J.V.M., Marques, A.P., Moita, B. et al. Direct and lost productivity costs associated with avoidable hospital admissions. BMC Health Serv Res 20, 210 (2020). https://doi.org/10.1186/s12913-020-5071-4
  14. Average annual costs per patient for the top 5% of patients are over 20 times higher than all other patients. (2019, October 29). Retrieved February 28, 2023, from https://www.health.org.uk/news-and-comment/charts-and-infographics/high-cost-high-need-patients
Matilde Ferreira

Matilde Ferreira

Content Strategy & Communication Manager

Graduated in Communication Sciences, early on fell in love with storytelling. Started off as a journalist and then pivoted to the public relations world, she was always driven to craft relevant stories and bring them to the stage.

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